O conceito de culto ao corpo tem sido bastante difundido na sociedade ocidental mascarado pelo discurso da saúde e por uma perspectiva de aumentar a qualidade de vida. Atrás desses argumentos é notável uma ditadura do corpo perfeito cujas vítimas principais são as mulheres, fato que é explicado por Dilmar Miranda, doutor em sociologia e professor do curso de filosofia da Universidade Federal do Ceará (UFC), como sendo herança histórica e cultural, fruto de uma sociedade machista. A busca incessante pela beleza está relacionada também com a aceitação social da mulher e tem sido responsável pelo aumento de cirurgias plásticas e de determinados casos de doenças como bulimia, anorexia e depressão. Isso tem resultado na perda de características individuais em prol do que passou a ser considerado ideal de beleza, visto que esta se tornou produto de consumo manipulado.

Segundo Dilmar, Kant teoriza que existe um julgamento do belo e quando se acredita em sua existência, há uma perseguição não de um belo, mas de um ideal de belo. “É diferente um belo ideal de um ideal de belo. O belo ideal é uma coisa universal, eterna e imutável. Ideal de belo é relativo, cultural, cada povo tem o seu”, explica o professor. A globalização tem ocasionado a homogeneização da beleza feminina, de modo que as características da maior parte das etnias são desprezadas. “É impossível você definir a beleza em função de um objeto particular. Isso mostra o que? Que a beleza é relativa. Esse culto ao belo é determinado pela mídia. É um padrão”, conclui.

A existência de um padrão de beleza não é algo novo e sofreu modificações ao longo do tempo de acordo com fatores históricos e culturais. Na pré-história, o conceito de beleza feminino estava fortemente ligado com a questão da reprodução. Assim, as mulheres com seios fartos e ancas volumosas eram as preferidas, por passarem a idéia de que eram mais preparadas para gerar filhos. Depois, na Grécia antiga, surge um ideal estético e uma teoria da beleza. Umberto Eco explica em seu livro História da Beleza que uma primeira compreensão de beleza é estabelecida quando se associa o belo aos aspectos perceptíveis. Platão desvincula a beleza do objeto físico e considera um objeto belo quando, em virtude de sua forma, deleita os sentidos, principalmente a visão e a audição. No caso do corpo humano, entretanto, esse conceito iria além do físico, incluindo as qualidades da alma e do caráter. Aristóteles introduz a idéia de proporcionalidade à beleza, desta forma, as obras de arte representavam a beleza harmônica do homem através de proporções matemáticas, o que geraria um “deslumbre visual”.

A idéia grega de beleza como proporção e harmonia entre os elementos mantém-se na Idade Média, a fim de refletir a beleza divina. Devido à grande religiosidade, a mulher passou a ser vista como fonte de pecado, e o corpo, a ser negado. Entretanto, alguns registros mostram que a mulher considerada bela tinha pele branca, olhos negros, seios pequenos, face corada, o corpo em boa forma e uma barriga saliente, a qual remeteria a idéia de maternidade, lembrando a virgem Maria. Algumas mulheres chegavam a colocar enchimento na barriga. Suas características deveriam mostrar saúde para se opor à realidade da época, em que a sociedade era assolada pela fome e pelas doenças.

O Renascimento deu continuação ao pensamento medieval de que a beleza estava relacionada à saúde, e como somente as ricas tinham acesso a uma boa alimentação, o ideal de belo relacionava-se ao que o rico tinha. As mulheres gordas eram as mais admiradas. Foi neste período que elas começaram a se utilizar da arte da cosmética e a dar maior atenção à cabeleira, tingindo-a de um loiro cuja tonalidade tendia ao ruivo. O espartilho surgiu no século XVI com o objetivo de dar suporte e controlar as formas naturais do corpo. Servia para erguer e pressionar o busto, além de manter as costas em uma postura reta como deveria ser esperado de uma dama. A cintura, entretanto, ainda era pouco reduzida.

A partir do século XVII, o ideal de beleza feminino passou a exigir formas mais delicadas. A cintura, maior objeto de desejo, tornou-se cada vez mais fina através do uso de espartilhos. Boca pequena com lábios finos, lembrando um botão de rosa, também tinha grande destaque. No século XVIII, a Revolução Francesa e a conseqüente ascensão de Napoleão Bonaparte fizeram com que as formas naturais fossem valorizadas novamente durante um curto período de tempo. O estilo neoclássico trouxe formas leves e fluidas, e o espartilho foi quase abandonado. Pouco tempo depois, os espartilhos voltaram com um novo material, barbatana de baleia, o qual permitiu maior flexibilidade ao material para que a cintura fosse mais pressionada. Até crianças foram submetidas ao uso de suportes, formas mais leves de espartilho, com a desculpa de desenvolver uma postura erguida. Nessa época, os médicos já protestavam contra a pressão exercida nos órgãos internos.

As burguesas gordinhas com face corada ganharam novamente destaque durante o século XIX. A Revolução Industrial iniciada no século XVIII acentuou as diferenças entre classes sociais e colocou em destaque, no século seguinte, tudo o que provinha da riqueza, recuperando o ideal renascentista de beleza. O corpo desejado era o que tinha forma de ampulheta. Para adquiri-lo, as mulheres utilizavam espartilhos cada vez mais apertados. Nos casos mais extremos, a cintura chegava a menos de 40 centímetros. O exagerado uso de corsets resultou em inúmeros problemas para as mulheres, como diminuição da capacidade respiratória, desmaios freqüentes, dificuldade para sentar ou subir escadas, casos de aborto e alguns casos de perfuração de órgãos internos.

A chegada do século XX trouxe a liberação dos costumes, o que gerou a possibilidade das mulheres exporem mais o corpo, e assim a preocupação com a boa forma aumentou o nível de auto-exigência e insegurança. Na década de 1920, a emancipação feminina fez com que os espartilhos fossem substituídos pelo sutiã. As silhuetas cilíndricas, nas quais os seios, a cintura e o quadril tinham medidas semelhantes, passaram a ser mais valorizadas. O início dos anos 1940, marcado pela Segunda Guerra Mundial, exigiu das mulheres formas masculinizadas, entrando em voga os ombros largos. Entretanto, com o final da guerra, a cintura voltou a afinar, tendo Marilyn Monroe como ícone da beleza feminina. A década de 1960 trouxe, junto com o movimento hippie, a moda do corpo sem curvas e seios pequenos. As formas femininas tornaram-se apagadas. A magreza é incorporada ao ideal de beleza da época com a modelo Twiggy. Os anos de 1980 são marcados pelo culto ao corpo musculoso, representado pela cantora Madonna, pois significava a capacidade das mulheres de competir com os homens. Em contraposição, na década de 1990, com as modelos Luiza Brunet, Claudia Schiffer, Cindy Crawford e Linda Evangelista, voltaram a serem valorizadas as curvas femininas com uma aparência saudável. Neste mesmo período, a modelo Kate Moss surge como ícone, opondo-se à beleza considerada padrão dessa década e instaurando a ditadura da magreza.

No século XXI, a mulher magra foi mantida como ideal de beleza feminino, hoje representado pela modelo Gisele Bünchen. Também houve grande destaque para a beleza sensual, que passou a exigir das mulheres seios avantajados, quadril largo e pernas torneadas, além de um corpo malhado. A aparência tornou-se a essência do ser humano, de modo que nem as crianças escaparam desta imposição de um padrão de beleza. O Concurso de Miss Mundo infantil é realizado todos os anos. As duas últimas edições foram ganhas pela gaúcha Natália Stangherlin, menina loira e com olhos claros, que com apenas oito anos já fez luzes e implante no cabelo, além de utilizar dentes postiços a fim de obter êxito no concurso. “Às vezes, por mais cuidadosa que a mãe seja, ela está, de certa forma, oferecendo a essa filha a experiência de um processo de adultização precoce. Isso é um risco muito grande“, alerta a psicóloga da PUC-RS Dóris Della Valentina. Segundo Dilmar, em uma sociedade crítica, mães como essa deveriam ser seriamente advertidas. “Estão cada vez mais encurtando o período de maturação e formação da criança. Isso é lamentável!”, protesta.

O panorama do ideal de beleza está mudando cada vez mais rápido com o objetivo de atender as necessidades do mercado. Quando as mulheres querem atingir um determinado padrão, elas passam a consumir mais produtos, movimentando a indústria da beleza. A mídia tem sido uma das grandes responsáveis pela imposição desses padrões no mundo contemporâneo. “Se houvesse uma criticidade no pensamento social, a sociedade seria menos dominada pelos valores passados pela mídia.”, defende Dilmar. As pessoas, assim, perceberiam a efemeridade que permeia o ideal de belo e se libertariam das amarras dos padrões da ideologia dominante.