Fachada do Órbita Bar. Foto: Aline Lima

A Praia de Iracema é um ponto de encontro entre os jovens fortalezenses, podendo ser considerado estratégico para qualquer casa noturna que se estabeleça nas suas proximidades. Por conta disso, os armazéns que costumavam receber a carga da antiga região portuária transformaram-se hoje em verdadeiros centros de entretenimento, que oferecem os serviços mais diversificados.

Dentre as diversas construções antigas, um prédio verde, sem qualquer identificação do estabelecimento, destaca-se devido à longa fila de pessoas que aguardam para entrar todas as sextas, sábados e domingos. Em um dos domingos à noite, os jovens organizam-se pela calçada da casa noturna na busca de apreciarem rock e um estilo musical alternativo. Afonso Belarmino frequenta o Órbita há três anos e acredita que o sucesso está na proposta musical. “Estão fazendo uma seleção correta do que o pessoal gosta mais”, disse.

Às 21h o portão se abre e as primeiras 50 pessoas da fila não pagam a entrada. Os visitantes, então, tem acesso a um cenário inovador na capital. As paredes, cobertas com pôsteres de bandas de rock e o uso de luzes de neon na identificação do bar, por exemplo, lembram um estilo de bar americano. Logo na entrada, as pessoas tem acesso ao bar, onde podem apreciar os barmen fazendo malabarismo enquanto preparam os drinks, e com 50 centavos podem jogar sinuca ao som de uma boa música.

Sinucas e posters. Foto Aline Lima

No lado direito da casa, encontram-se o palco, a pista de dança, o espaço para o DJ e um bar flutuante. Artistas autorais ou covers apresentam-se durante a noite, envolvendo o público em cada nota tocada. Após a performance das bandas, os DJs dominam o espaço e levam todos às pistas de dança.

Desde seu lançamento há 12 anos, o Órbita Bar tem conquistado o público jovem ao oferecer uma proposta musical diferente da regional, abrindo espaço para um nicho que vem crescendo na cidade. A casa, cuja capacidade é de 1200 pessoas, já recebeu quase 2 mil visitantes em uma noite, contabilizando seu maior público.

Segundo André Fernandes, responsável pela parte artística da casa, o sucesso do estabelecimento está além do espírito empreendedor dos seus donos. “Eu acho que muito do sucesso da Órbita diz respeito a todo mundo que trabalha ali ser artista de algum jeito. Não é uma coisa que visa o salário no final do mês, não se trata de grana”, disse.

É fato que a mistura entre arte e empreendedorismo sempre esteve presente na vida de seus mentores muito antes de inaugurarem a Órbita. Patrícia Carvalhedo, filha de brasileiros, nasceu nos EUA quando seus pais estavam passando uma temporada no país a trabalho. Com 18 anos, aproveitando sua nacionalidade americana, voltou aos EUA onde morou em um apartamento localizado em Boston.

Um de seus vizinhos era Sean Bolger, um artista irlandês que fazia diversas pinturas nas ruas. Com o tempo começaram a namorar e Patrícia percebeu que Sean ganhava muito dinheiro com sua arte. “No geral ele tinha muita moeda. Quando ela começou a contar, percebeu que ele estava ganhando muito dinheiro e nem sabia disso. Ela organizou ele, meio que virou produtora dele nesse sentido, ele fazia arte e ela organizava e vendia arte dele”, explicou André.

Com o dinheiro adquirido, compraram uma Kombi com a qual viajaram pelos EUA por oito a nove anos. Viveram como hippies durante os anos 1980 e se sustentavam com as pinturas nas ruas e venda dos desenhos feitos por Sean. Com esse trabalho, juntaram quase 500 mil dólares, posteriormente utilizados para a compra de uma locadora em São José dos Campos quando voltaram ao Brasil. O sucesso do novo empreendimento foi garantido. “A locadora deles bombou por lá, era tipo uma Distrivideo daqui”, explicou Fernandes.

O bom desenvolvimento da locadora facilitou sua venda para a Blockbuster em 1997. Com o dinheiro arrecadado através da negociação, Patrícia e Sean vieram para Fortaleza e abriram a Órbita com a proposta de uma casa noturna de música eletrônica. Sem obter êxito, a casa quebrou. André contou que para superar as dificuldades, Patrícia pediu um empréstimo de 80 mil reais aos pais com o qual pagou as dívidas e reabriu a Órbita com uma nova proposta: rock.

Desde esse tempo, a casa noturna tem sido fonte de lucros constantes. O estabelecimento cresceu, incorporando a parte onde hoje estão as sinucas seis meses depois da reinauguração. Por motivos de saúde, Sean precisou se afastar há uns dois meses, deixando Patrícia sozinha na administração.

O diferencial do Órbita Bar também está na relação entre os empregados. André explica que não existe uma hierarquia nas funções e que a empresa visa, acima de tudo, o bem estar dos funcionários. “Todo mundo aqui tem relevância. Eu não vou discutir uma coisa no bar sem ouvir, não a opinião, mas a decisão do chefe de bar. A Patrícia valoriza a opinião dos empregados, ela não impõe uma decisão, quando há divergência, tenta entrar em um acordo de modo que ambos fiquem satisfeitos”, disse.

Luciano Gaúcho, barman formado em administração, comentou que efetivar a carteira no Bar não foi fácil, precisou de muita dedicação e trabalho. “A seleção é rigorosa porque tem que mostrar trabalho, não importa o currículo”, explicou. Sobre a relação com os outros funcionários, falou: “A Órbita não é um trabalho, é uma família. Na verdade, foi o único lugar onde senti realmente que tem pessoas que querem ajudar uns aos outros, é uma família total. Eu já trabalhei em outras empresas e em nenhuma me senti tão à vontade para chegar nos colegas ou no patrão ou patroa”.

A comparação entre empresa e uma família também é feita pelo barman Lucas Farias. “A Órbita é minha segunda casa, eu tenho as pessoas que trabalham aqui como minha família mesmo, já trabalhei em três boates diferentes, mas nada comparados à Órbita”, explicou. Segundo Farias, existe uma relação de amizade com os donos, os quais estão sempre dispostos a ajudar e aconselhar. “Não pretendo sair tão cedo daqui”, completa.

As bandas que se apresentam no Órbita são escolhidas cuidadosamente. A casa prima pelo talento dos músicos, que precisam emocionar o público. De acordo com Fernandes, esta é uma das razões pelas quais é alvo frequente de críticas. Bandas que se apresentam em eventos culturais promovidos pelo governo, muitas vezes não são aceitos nos palcos da Órbita. “Eu tenho que gostar! Eu tenho que me dar o direito de dizer que realmente entendo isso. Não estou querendo dizer que o que eu gosto ou o que escolho vai agradar a todos”, disse. “Eles podem tocar em todos os eventos da prefeitura, mas não toca na Órbita porque eu não gosto. A Órbita é um negócio e se eu não gosto eu não pago. Não me emocionou”, completa.

O tratamento destinado aos artistas contratados é outro aspecto que merece destaque. Diferente de outras casas noturnas, as bandas recebem um cachê fixo. Fernandes explicou que o repertório dos shows é escolhido pelos próprios artistas, cabe a ele somente direcionar as apresentações. Gabriel Aragão, vocalista da banda Selvagens à Procura de Lei, comenta sobre essa relação. “O tratamento que a gente recebe, de banda, foge muito dessa burocracia. Acho que isso muda muito as coisas. Não é nada frio, nada impessoal na Órbita, todo mundo se conhece. Aqui você se sente parte da casa, se sente acolhido”, disse.

(Reportagem produzida para a disciplina de Impresso I da UFC)